sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Uma metafísica contemporânea

Este ensaio parte da afirmação de Schopenhauer de que a música tem uma "íntima relação" com a "essência verdadeira de todas as coisas". Apresentaremos em linhas gerais uma interpretação metafísica atualizada para algumas formas de arte "tradicionais" - pintura, escultura, fotografia e, especialmente, música e dança.

Não acredito que exista uma "essência verdadeira de todas as coisas". Acho que a verdade é circunstancial. Uma música pode "cair bem" hoje e ser bastante ruim no dia seguinte, dependendo do "estado de espírito" do sujeito, tanto do músico quanto do ouvinte (nem sempre o músico está nos seus melhores dias).
Mas acredito que a arte além de ser uma manifestação culturalmente determinada também é uma realização do "espírito". Não usaremos a palavra "espírito" na ampla concepção hegeliana do termo, ou seja, em relação à verdade e à vida, ainda que neste ensaio a palavra remeta à própria vida do artista.

Qual seria a melhor ou "mais elevada manifestação do espírito" nas artes?
A música é uma forte candidata (Schopenhauer e Nietzsche atestam isso).
Acho que a dança também...

Na música há uma relação direta de "produção e consumo", de comunicação entre artista (produtor) e espectador (receptor). A música invade a alma, a reação é imediata.
A sensação que tenho é que alguns artistas tiram o som da alma. Dá-se portanto, uma relação espiritual entre o músico e o ouvinte, que não é determinada pela razão.

Há tanto na música quanto na dança uma forte relação com o corpo, ao contrário, talvez, das outras artes em que a relação é mais com a matéria. A música e a dança são materializadas, encarnadas, no corpo do artista, o que estreita o vínculo entre as duas naturezas, a do homem e a da arte.
Na música o instrumento torna-se parte do corpo para a constituição da obra.
Na dança o corpo faz-se obra. A dança é uma espécie de híbrido de tempo e espaço em que o corpo e o movimento oferecem o instante de beleza plástica, como na fotografia e na escultura ou mais precisamente como a "fotografia de uma escultura".

Lembremos que na época de Shopenhauer a música era executada ao vivo, não existia gravação. Portanto, só havia música e dança com a presença do artista.
Alguém pode alegar que o músico é apenas um intérprete e que a "verdade" estaria na partitura. No entanto essa verdade só se revela no momento da execução da obra.

Para Hegel, a aparência é essencial à essência, a forma é a materialização da essência.
Como não há corpo sem alma e vice-versa (excluindo-se considerações religiosas) talvez a música e a dança sejam as "mais elevadas manifestações do espírito", já que instrinsecamente relacionadas ao corpo e vivenciadas simultaneamente por artista e espectador.

Na pintura e na escultura eu procuro recriar mentalmente (imaginar) o momento do gesto criador. Não consigo relacionar a pintura com a música, mesmo diante dos quadros do Kandinsky.
Mas tento, e às vezes consigo, perceber a sutileza e a delicadeza de cada pincelada, o gesto criador, o que me faz entrar em contato com o "gênio" do artista no instante da criação, como na música.

Na arte conceitual esse jogo de recriação mental é de ordem inteiramente racional, até que um significado qualquer se revele. Há uma relação forte com o entendimento, com o "interesse especulativo". Uma obra de arte conceitual está para a primeira crítica de Kant, assim como a arte objetual está para a terceira crítica, ou seja, a necessidade do conceito ou do significado determinado pelo entendimento em oposição à fruição sensível e desinteressada.

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