segunda-feira, 27 de abril de 2009

Woody Allen e os trinta anos de Manhattan

"Manhattan" (1979) dialoga com "Annie Hall" (1977, lançado no Brasil com o título de “Noivo neurótico, noiva nervosa”). O tema é o mesmo: o amor. O diretor Woody Allen traz o amor para a dimensão do cotidiano, sem os clichês dos filmes românticos que acabam em final feliz ou tragédia.
Em Annie Hall, o personagem principal Alvy Singer (Woody Allen) não sabe o que quer e deixa escapar aquela que talvez fosse o grande amor da sua vida.
Em Manhattan, Isaac Davis (Allen) pensa que sabe o que quer, mas também não sabe. Aos 42 anos e namorando uma garota de 17 (Tracy, interpretada por Mariel Hemingway), Isaac acredita que é muito cedo para que a jovem se apaixone por ele e a aconselha a procurar rapazes da sua idade, que viva cada amor de sua juventude, cada um ao seu tempo. Mas o amor não correspondido por Mary (Diane Keaton), uma mulher mais madura, expõe a fragilidade de suas convicções.
As dúvidas dos personagens sobre a pessoa ideal são a fonte de suas inseguranças e ansiedades. Na tentativa platônica de buscar o verdadeiro amor, Alvy Singer e Isaac Davis se preocupam com o futuro e esquecem o presente. Com isso deixam de viver intensamente suas paixões e acabam eternamente frustrados.
A última frase de Manhattan é dita pela jovem Tracy e soa como uma filosofia profunda que Isaac, apesar de 25 anos mais velho, não conseguiu perceber: "You have to have a little faith in people" ("Você tem que ter um pouco de fé nas pessoas"). Com essa frase, Woody Allen encerra o filme e deixa em aberto a questão de dar uma chance ao destino - acreditar nas pessoas e não tentar controlá-las parece ser o segredo do amor.
Manhattan tem como pano de fundo a cidade de Nova York. E nada mais nova-iorquino do que a escolha de George Gershwin para a trilha sonora do filme. Gershwin e Allen nasceram no Brooklin. E ambos sintetizam magistralmente, na música e no cinema respectivamente, a cidade e seu tempo.
O filme, todo rodado em preto e branco, cria uma atmosfera noir que contrasta com a realidade de Nova York, uma das cidades mais iluminadas do mundo. Woody Allen talvez queira revelar a essência da cidade, retirando suas cores e expondo seus contrastes e tornando o filme mais intimista.
Em ambos os filmes a trilha sonora é econômica – um estímulo à reflexão através dos diálogos com um mínimo de interferência da música, que geralmente é usada no cinema para guiar as emoções do espectador.
Annie Hall tem uma rigidez formal e técnica mais apurada que Manhattan. As cenas têm quase todas a mesma duração de aproximadamente um minuto. O som é sempre inserido para marcar a transição abrupta para uma nova cena. Esse controle do tempo e da transição sonora das cenas mostra a preocupação do diretor com a montagem do filme, deixando-o com um ritmo forte que prende o espectador e que mereceu o Oscar de melhor filme. Em Manhattan não há essa rigidez. Cenas da cidade com a música de Gershwin ao fundo oferecem um contraponto aos diálogos, deixando o espectador "respirar" e tornando a narrativa mais fluída e menos impositiva.
Ambos os filmes oferecem ao espectador momentos de reflexão sobre o amor, o tempo e a vida. Como toda obra de arte não perderam seu valor com o tempo, pelo contrário. A distância de trinta anos que nos separa da época em que os filmes foram lançados oferece a possibilidade de um novo questionamento que complementa as reflexões propostas por Woody Allen. Mais cedo ou mais tarde cada um se pergunta: o que fiz nos últimos trinta anos e o que pretendo fazer nos próximos trinta? Uma questão que a própria vida nos coloca como crise da meia-idade.

Um comentário:

lu disse...

adorei! tinha esquecido q era em preto e branco. na minha memória é um filme de muitas cores.