segunda-feira, 27 de abril de 2009

Brecht se remexe no túmulo. De felicidade.

Creio que se Bertold Brecht ainda habitasse entre nós estaria muito feliz com os rumos que o bom teatro contemporâneo tomou. Suas teorias acerca do papel da audiência num espetáculo, da relação entre palco e platéia, da negação do palco como uma caixa fechada entre quatro paredes alheio ao mundo que o cerca, foram exaustivamente estudadas e desdobradas. Digo exaustivamente num sentido quantitativo.
Me sinto obrigado a recomendar a todos aqueles que se interessam por teatro a assistir A Filha do Teatro, peça teatral produzida pela Cia do Pequeno Gesto. Esta peça eleva a discussão a respeito das proposições e possibilidades da linguagem teatral na contemporaneidade. Não é o novo que habita ali, mas o diferente, uma nova possibilidade, uma nova forma de se fazer. Nesse sentido, podemos dizer, é pós-moderno.
A peça se propõe a discutir o papel dos agentes teatrais: o ator, o personagem, a audiência, o enredo, o palco, o cenário. As três atrizes representam as três personagens principais da trama, no entanto, há momentos em que todas representam todas e há momentos em que ninguém representa. É assim: aparentemente confuso, mas sutil e belo, pondo à prova o papel do ator numa sociedade pós-moderna, a constituição do personagem como dependente de um corpo físico para ser encarnado (há uma cena em que as atrizes sentam na platéia e apenas uma narração continua a cena. O palco nu). Além disso, a utilização de novas mídias incorporadas às artes cênicas nos apresenta novas formas de relações. Filmagem e transmissão em tempo real, projeção em finas cortinas de voil, tecnologia adaptada à cena. As atrizes, estando em um lugar, podiam estar em todos, serem vistas por todos, assim como podiam, como aconteceu, não estar e estar ao mesmo tempo.
A audiência, por vezes, se vê destituída de seu “conforto”. Fomos mais que uma platéia, fomos cenário, fomos imagem, fomos atores, fomos surpreendidos. Uma vez que o espetáculo se apresenta numa galeria adaptada de teatro, a platéia se divide em duas metades, cada qual numa extremidade do espaço. Assim, com o palco no meio, ao assistirmos a peça, ao fundo vemos a outra metade do público e também somos vistos por eles.
O grande mote da peça – seu ponto de partida e aquilo que deixa em nós – é: real, virtual, imagem, corpo: o que são essas instâncias? Em que se constituem cada uma delas? Só se é real quando não se é virtual ou vice-versa? Creio que, mais um pouco, alargamos as fronteiras de nossa percepção e discussão acerca das possibilidades da arte. A Filha do Teatro é, sem dúvida, uma boa surpresa, mas não um acaso. Vê-se que é resultado de árduo trabalho e estudo sobre teatral, comprometendo-se em apresentar um espetáculo digno e com muita riqueza. Assim como na Cia do Pequeno Gesto, precisamos de pessoas mais sérias no nosso meio.

A Filha do Teatro
Caixa Cultural Almirante Barroso - Galeria 2.
De 16 de Abril a 17 de Maio.
Ingresso R$ 10,00 (inteira).
Qui. a Dom. às 19h30min.

2 comentários:

Agnaldo disse...

Muito bom. Me convenceu a ver a peça.

lu disse...

bela resenha!

mas poxa, nosso meio tb é sério, rs, eu acho, na maioria das vezes, rs