sábado, 28 de março de 2009

outros espaços

Qual seria a reação de uma pessoa que depois de admirar a bela Vênus de Botticelli feita com porcas e parafusos se deparasse com um aquário cheio de água intitulado como "aquário completamente cheio"?¹

Pra mim NÃO, a exposição do Vik Muniz não aproxima leigos (não gosto de usar essa palavra, dá impressão que eu sei muito de alguma coisa enquanto estou apenas aprendendo) à arte. Aliás, isso anda me incomodando demais. Quando é que uma exposição realmente irá aproximar alguém à alguma coisa que não seja um estereótipo? Quando é que o circuito de arte, e estou falando de tudo mesmo irá se preocupar de fato? Acho que isso é um dever das instituições, dos curadores, dos artistas, dos críticos e de nós que estamos estudando também! Os museus vêm com essa história de arte e educação, vão pra puta que o pariu com a arte e educação! Todos nós sabemos que uma visita guiada NÃO DÁ CONTA de "explicar" qualquer coisa relacionada a artes. Mas eles vão lá e explicam. E o povo fica feliz porque "entendeu". No entanto, esse é um momento de diálogo que o público leigo não tem oportunidade de ter, é um momento em que as pessoas têm com quem conversar e expressar suas dúvidas, seus sentimentos e sensações em relação à obra, coisa que em outro lugar não teriam. Podemos pensar em nós mesmos, com quantas pessoas (sem contar as que estudam ou trabalham com arte) nós conseguimos manter um diálogo sobre arte? Pois é meus caros, o buraco é mais embaixo, muito mais embaixo...

Aí me vem o CCBB com aquela exposição sobre a identidade brasileira: "Brasil Brasileiro procura espelhar nossa identidade cultural e refletir nossa brasilidade através da pintura. Evidentemente, são tantos os aspectos de nossa identidade cultural que uma exposição, mesmo abrangente, não consegue reuni-los. Brasil Brasileiro não pretende construir nenhuma teoria antropológica sobre o ser brasileiro, nem representa uma antologia da arte brasileira; é uma mostra sem pretensões, simples como uma tarde de sol, num domingo à beira-mar. Prazerosa.". Essa é a fala do curador Fabio Magalhães sobre a exposição. Eu nunca tinha ouvido falar nele, mas o amigo google tá aí pra isso... o cara não é pouca coisa. É museólogo; já foi curador do MASP; da Bienal do MERCOSUL, entre outras coisas. E então nos deparamos com esse tipo de proposta em um espaço como o CCBB, que poderia ser um verdadeiro pólo de conhecimento para os tais leigos, porque todos frequentam o espaço. "Mostra sem pretensões": Fábio, você é melhor que isso tenho certeza. Desde quando alguma coisa não tem pretensão? Tem sim! Mesmo que não se saiba... O que não é o caso de uma exposição desse porte, não é minha gente? E o que mais me espanta não é o fato da exposição estar cheia daqueles quadros modernistas que eu detesto, é o fato de toda a concepção da exposição ter esse caráter moderno, essa busca de uma identidade brasileira que não existe, ou se existe é plural (e nossa pluralidade vai além das matas, das mulatas e do futebol...). E que infelicidade, querer representar o Brasil em uma exposição de pintura. Não que eu não ame ser brasileira, mas pra mim arte não tem lugar pra ser. Claro que existem fatores regionais que são extremamente importantes, mas tomá-los como referência principal e no caso, único, é também reduzir o trabalho de arte. Os parangolés do Hélio seriam prato cheio pra algo do tipo, ou até outro trabalho dele... Mas ainda bem que ficaram bem longe! (Mesmo sendo tão pintura). Fiquei realmente feliz quando minha amiga, que estava super animada pra ver a exposição, se decepcionou com o que viu e preferiu a exposição que vimos em seguida na Durex. Ela não é de artes, mas ainda assim questionou "poxa, só tem pintura?" e não se contentou com a tentativa de representação da nossa identidade. Mas será que um visitante de fora do país teria a mesma reação? Ou mesmo alguém de uma geração mais antiga...

Tenho admirado o trabalho feito pelo MAC de Niterói, eles estão dando espaço para diálogo entre curador, artista e público. Para a exposição "Investigações Pictóricas" que reúne obras contemporâneas de pintura, foi feito um debate com a curadora e um dos artistas (não sei se haverão outros sobre esta exposição). Não é a primeira vez que isso é feito no MAC e espero que não seja a última. A Caixa Cultural, que está cada vez mais crescendo na área de artes visuais, realiza uma visita guiada com o próprio artista ou com o curador da exposição e promove uma distribuição gratuita dos catálogos no final do encontro. É claro que essas ações não iram de uma hora pra outra aproximar o público leigo, mas acho que é um bom começo. Se nós que somos da área não temos espaço suficiente para reflexão, que dirão os leigos?

As críticas nos jornais (se é que ainda existem) podem ser uma forma de aproximação, mas a quem interessa? O jornal é a mídia do esquecimento, além dos interesses capitalistas que envolvem... Não acredito que seja possível uma reforma como a de 60/70, não porque não haja interesse por parte dos artistas ou dos críticos (de alguns talvez sim), mas porque tudo envolve uma questão financeira. Tudo cada vez mais envolve uma questão financeira e porque não a arte? Sim, a arte envolve muito dinheiro, mas acho que novelas e celebridades dão mais dinheiro às mídias do esquecimento.

Uma das minhas maiores angústias em estar fazendo um bacharelado em história da arte é que quanto mais conhecimento eu tenho, menos eu consigo dividi-lo. Justamente porque em arte as coisas não são explicáveis ou entendíveis (daí a dificuldade da arte e educação funcionar). Outra coisa que me incomoda é: eu tive que esperar chegar à faculdade pra ouvir falar de Caspar David Friedrich, Richard Serra, Waltercio Caldas e vários outros artistas... Para saber que depois do Renascimento e antes das Vanguardas Européias existiu muita coisa importante e que todas as mudanças foram um processo lento com referência no passado e não mudanças bruscas em busca do novo. E principalmente, só depois da faculdade pude abrir os olhos pra produção contemporânea e para os problemas da arte ao invés de esperar por representações fiéis do mundo, com simbolismos que eu não compreendo e alimentar a fantasia romântica da arte e do artista. Por quê? Por que eu só pude saber disso tudo na faculdade? Estudar arte é também uma aprendizagem para as coisas da vida, é um exercício para a sensibilidade. Então por que demorei tanto? Por que não tive ninguém pra me apresentar a tudo isso antes? E mais angustiante ainda, por que eu não consigo apresentar tudo isso a outras pessoas?

Essas perguntas não têm respostas, acredito. Todo desenvolvimento gera consequências positivas e negativas. A arte cavou seu próprio buraco. A nós, que estamos envolvidos, que criamos tudo isso, cabe a incumbência de tentar consertar as falhas. É difícil e talvez até mesmo impossível reparar o problema do elitismo na arte, mas isso não impede que medidas sejam tomadas. Com certeza estamos falando de um problema que é gerado também pela má formação (senão quase nenhuma) de arte no ensino fundamental e no ensino médio, mas essa é uma questão muito mais profunda, que não é meu objetivo abordar neste texto. Acho que a primeira forma de ir contra esta situação, é fazendo algo que eu mesma faço muito pouco: expressando opiniões. Quando nos posicionamos perante algo, é possível que haja diálogo e é através do diálogo que a arte se movimenta. A criação de espaços virtuais que cada dia mais está surgindo, é uma possibilidade para que isso aconteça e seja compartilhado, como é o caso deste blog. Neste ponto acho a internet fundamental, porque através dela podemos estabelecer diálogos que não são possíveis em outras mídias, podendo inclusive ter um alcance muito maior e diversificado. Outra ação importante é fazer com que essa crítica não seja fechada, que ela seja um comentário e não uma verdade e que haja espaço para um diálogo entre diferentes críticas e que ambas saiam ganhando. Um espaço em que artistas, críticos, curadores e até as instituições, possam existir sem anular a presença do outro, um espaço para troca. Acho que a cova da arte é quando seus agentes esquecem-se da troca. E isso não é só para com o público leigo.

Arte se compreende através da sensibilidade, mas o seu desenvolvimento só se é possível através do diálogo. Não o diálogo que explica e simplifica. O diálogo da arte é o diálogo da subjetividade, e das várias leituras possíveis, que muitas vezes é deixado de lado por uma tentativa de se fazer entender por completo. Sinto falta de um espaço em que as pessoas não tenham receio de falar por medo do erro e onde os julgamentos possam ser mais amenos, livres de preconceito, um espaço em que a obra de arte tenha voz tanto quanto quem fala por ela. Talvez seja a conquista desses espaços que possa um dia trazer um público carente de formação para as proximidades do circuito e a integração (como forma de aprendizado) entre os que nele coexistem.
¹ Referências aos trabalhos de Vik Muniz e Waltercio Caldas.

10 comentários:

...um cisco... disse...

Como a arte se mostra diversa e mutante e necessita de sensibilidade ou dom ou grande conhecimento técnico(porque até pra vendê-la ou enganar, precisa-se de conhecimentos exatos) acredito que seja normal a maioria da população não percebê-la de maneira a dar mais atenção. Porém, vendo alguns documentários sobre história da arte percebi o quanto está ligada a história e a nosso dia-a-dia, porque não chegamos até aqui do nada. Tive aula de educação artistica na escola mas lembro apenas de colar palito de picolé pra fazer cadeira. O enfoque dado a várias matérias aqui no Brasil é errado. É pobre.
É raro no ensino fundamental acharmos professor que se preocupe com as pessoas pensando no futuro delas enquanto participantes de um processo valioso: Evoluir com o planeta.

Sem diálogo verdadeiro a compreensão só vai até a hora da prova pra passar de ano...

É isso aí.

Felipe Abdala disse...

Bem, Caroll, sé é pra falar de estereótipos, comecemos então por Brasil Brasileiro. Como assim “Brasil Brasileiro é uma mostra sem pretensões, simples como uma tarde de sol, num domingo à beira-mar. Prazerosa."?? É isso, então, o Brasil? É Bossa Nova a todo momento, com um barquinho passando, uma brisa soprando e a Helô Pinheiro rebolando. Isso realmente me incomoda. E, especialmente nesse caso, de uma exposição no CCBB, me decepciona o posicionamento da curadoria. Nosso país está sim muito além das mulatas, do samba e do futebol presente ali. Não sei se alguém aqui além de mim foi à vernissage da mostra, mas o q tinha era: picolé Itália, biscoito Globo à vontade, caipirinha e caipiroska. Tudo isso especialmente servido por bonitas mulatas vestidas de avental branco e babados na cabeça, tal qual as empregadas das novelas da Globo. Resultado: eu me senti envergonhado, vi a exposição, tive mais vergonha, esperei dez minutos e fui embora.

Sobre o MAC, eu acho muito importante duas coisas: que o MAC se assuma como museu, porque pra mim aquilo ainda é um mirante de luxo; e que esse caminho de encontros com os artistas e os curadores é um bom caminho. Aliás, essa história de encontros é muito boa. Não é algo feito com muita freqüência (eu lembro que o MNBA, recentemente, fazia algo assim, além da Caixa que a Caroll citou). O Charles Watson faz aqueles Dynamic Encounters, onde vai no ateliê de vários importantes artistas. Eles foram lá no Daniel e eu vi o quanto isso é legal. No entanto, é o olho da cara, de forma que a maioria das pessoas que vão são velhinhas ricas q num tem nada pra fazer, nem mesmo perguntas interessantes aos artistas. Uma pena.

Mas, Caroll, eu não acho que o jornal seja a mídia do esquecimento. O que eu acho é que a sociedade esqueceu, sim, que o jornal é um espaço de discussão muito eficiente, porque todos podem ler. E esqueceu, também, porque o interesse das editoras se tornou outro que não a discussão.

O ensino de arte, por si, é algo estranho de se pensar. Como se ensina arte? Um amigo sempre diz que acha estranho eu fazer faculdade de arte, porque não tem como se aprender arte. O que eu digo pra ele é que a minha faculdade não é de arte, mas sim de história da arte, que é um dos discursos possíveis sobre a arte, assim como a estética, a crítica, a teoria. É por que vc tem um diploma de artista que vc é artista? Essa é uma das minhas contestações do currículo da EBA.

Acho q é isso

Bjos a todos

Agnaldo disse...

Belo desabafo, Caroll. Mas só se vence o preconceito com educação artística desde criança. Ensinam eletricidade, reações químicas e genética mas não ensinam arte.
A arte virou coisa pra especialista e não é vergonha dizer que a maioria das pessoas (no Brasil e no mundo) é leiga em artes.
Vale lembrar que mesmo que se reduza o abismo entre público e teoria artística ou história da arte (através do ensino fundamental) as discussões que acontecem na academia são e sempre serão inacessíveis para quem não estuda arte ou filosofia, assim como são inacessíveis as discussões a respeito de métodos numéricos, otimização de algoritmos, circuitos digitais, farmacologia ou patologia clínica para nós estudantes de arte.
Por tudo isso, é mais fácil o público leigo se aproximar do Vik Muniz do que do Waltércio Caldas.

lu disse...

depois de tanta coisa já maravilhosamente dita só complemento aqui com algo que o Cocchiarale falou na primeira aula do curso dele, cujo tema era arte e palavra (discurso). Não me lembro bem as palavras mas ele disse basicamente que o público, principalmente o leigo, tem um ânsia em entender arte, seja através do texto ou da tal visita guiada. E que por isso não se entregam ao principal: o embate direto com a obra. que é muito mais livre e gostoso.
A unica coisa que achei gostosa no Brasil Brasileiro foi o Guignard e nada mais...

Felipe Abdala disse...

Pois é, Lu.
Tô virando fã de carteirinha do Cocchiarale. Depois de anos e anos com um professor na nossa frente explicando tudo o q precisamos, temos que nos dar conta de que nosso sistema educacional não nos incentiva a pensar. Entretanto, temos uma ótima memória. Acho q até hoje sei a fórmula de Báskhara de cór.
Licenciandos de plantão, façam seus alunos pensarem, por favor. Aliás, cadê a Michelly pra dar seu parecer enquanto pedagoga.
Acho que no trabalho do meu grupo de estética sobre o Waltércio nós exercitamos exatamente isso: o embate com a obra.
Lu, em Brasil Brasileiro, além do Guignard, preste atenção num Castagneto que vc quase precisa sentar pra ver e numa obra (ótima!) do Nelson Lernier chamada Concretismo Rural

Anônimo disse...

ahahahah você é linda!




ontem eu fiz o meu desabafo... engraçado ver a diferença entre o meu e o seu... =)


da minha opinião sobre o que você escreveu, bem, penso que as mudanças são lentas principalmente pra quem ta no meio da mudança. A gente estuda história e consegue encaixar revolução francesa e independência do brasil entre o café-da-manhã e cafezinho as 9. Mas na real tudo demora um baita tempo. Eu acho super difícil conciliar a rapidez em que a gente vive com a vagareza das coisas...
E na verdade acho ótimo que sempre tenha gente insatisfeita, porque isso faz as coisas se mexerem, se transformarem.

Mas não esquece de encontrar felicidade na sua busca, na sua insatisfação! ;)

Anônimo disse...

ah, e mais uma coisa:

durante o meu tempo de monitoria eu tive a maravilhosa oportunidade de ver que as pessoas param sim para ver as obras e que é só dar a chance "o que vc vê?" que qualquer um, independente de formação ou conhecimento sobre arte, para, olha e sai falando. Mas ai vem o problema do lado de cá de aceitar um "isso é muito feio!" ou um "é um bando de traço mal feito!" e rir junto, concordar, tentar ver o que a pessoa viu e explicar porque dentro do conceito da obra essa reação se encaixa (eu ainda não vi uma reação que não se encaixasse em um trabalho bom).



beijoca, se cuida!
(saudade do seu cantinho!)

Anônimo disse...

ah, narguille, o diploma é bacharel em artes, não é artista...

Felipe Abdala disse...

Ana, obrigado pelo esclarecimento.

Valquíria disse...

Bém, como licencianda sinto uma lacuna, um não sei o que, que possibilite uma aula de ensino médio e fundamental de artes realmente boa.
Um professor de arte hoje tem um tempo de aula por semana, diferetente de professores de matemática ou português que possuem até seis tempos. Isso já é um grande problema, uma discriminação se assim posso dizer do próprio sistema educacional. As escolas, hoje, que possuem mais tempo são escolas de referencia. UM PROBLEMA NA BASE DA EDUCAÇÃO, SE TEMOS POUCO TEMPO, TEMOS DE FAZER MILAGRES PARA CONSEGUIR ALGUM RESULTADO, O QUE PODE NÃO SER BOM.

Outro prblema vem da desvalorização das
Acho que essa questciêcias humanas como filosofia e sociologia.Estamos na época da tecnologia, de máquinas, e essas matérias que nos levam a pensar, criticar são dispensaveis.
As pessoas querem tudo rápido, o que as levam as visitas, não digo isso generalizando, algumas sentem realmente dificuldade e interesse.

MAS ACHO QUE VOU FICAR EM CIMA DO MURO, POIS A QUESTÃO É BASTANTE DELICADA.E É PRECISO SER PENSADO CADA VEZ MAIS, O PAPEL DOS GUIAS, DA RELAÇÃO ARTISTA
/PÚBLICO, ARTE E EDUCAÇÃO.


obs.: eu disse alguma compreensivel?