quinta-feira, 28 de maio de 2009

Crítica contemporânea

A crítica contemporânea encontra uma produção artística bastante diferente da obtida na arte moderna. Toda a discussão em torno de questões próprias a arte da especialização do meio e de uma negação do passado – que podemos entender como uma nova postura, através de valores diferentes do passado, mas com referência nele –, possibilitou uma consciência maior a respeito da conceituação da obra de arte e por um outro lado, um esgotamento do meio (devido à intensa exploração de seus recursos). Com isso, a arte se encaminha para o desenvolvimento de outras questões, modificando também o seu entorno, a forma como deve ser percebida, os critérios e os juízos de valor a ela aplicados. A arte contemporânea, ao contrário do que se percebe nas vanguardas, não possui um sentimento negativo à arte do passado. “É parte do que define a arte contemporânea que a arte do passado esteja disponível para qualquer uso que os artistas queiram lhe dar.” (DANTO, 2006, p.7). Essa nova produção coloca em xeque a crítica de arte, ou pelo menos como até então era desenvolvida.

Arthur Danto chama atenção para a obra de Warhol: “o que muda profundamente com a mostra de Warhol, naquele momento histórico, é que a obra de arte não se submete mais a nenhuma forma particular e que a análise da obra de arte não se faz através da visão, mas da análise filosófica.” (DANTO, 2000, p. 200) A questão colocada aqui é que a obra de arte só se diferencia do que não é arte por se encontrar no museu, não há um caráter visual que denomine aquele trabalho como arte. Existe aqui uma questão conceitual, que vinha sendo muito bem trabalhada no modernismo. Por isso Duchamp faz tanto sentido hoje, pois atua no campo conceitual e não no da visualidade que Greenberg procurava. Pois bem, se a visualidade na obra de arte não mais tem importância, que critérios se estabelecerão para esse julgamento? Possuí-los-á alguma validade?

“O que aconteceu foi que o crítico, a partir de então, já podia dissolver as fronteiras que o separavam da criação artística. Não literalmente, como vinha fazendo até então, mas artisticamente. Por quê? Porque a mediação e a idéia passaram a ter maior importância do que o produto final. O crítico que sempre usou conceitos para falar da mediação e do produto, quer dizer, dos elementos formais do trabalho, o crítico passou a usar idéias para falar quase apenas de idéias. No fim, o que o crítico estava fazendo era o mesmo que o artista. Os dois fazendo arte e fazendo crítica.” (LEINER, p. 57)

A crítica de arte assim como o que passou a ser produzido, teve que sofrer modificações, pois uma crise é colocada em questão. Acreditamos que essa mudança tenha sido em primeira instância em relação à metodologia abordada. Não mais se poderia fazer uma crítica baseando-se em apenas um caráter da obra de arte, a apreensão dessa produção só se faz possível com a ampliação do olhar.Uma outra característica da crítica contemporânea, é que ela – e isso pode estar relacionado ao que Sheila Leiner atenta – se propõe a estabelecer um diálogo com a obra, a tecer um comentário, um acréscimo. Queremos chamar atenção, para o fato de que a crítica contemporânea – é claro que não podemos generalizar, mas de fato, em sua maioria – possui uma postura muito mais compreensiva, menos rigorsa que a crítica moderna, principalmente em se tratando da crítica do século XXI. Pensemos na figura descrita por Deleuze em carta a um crítico severo, existe uma tendência para que esse tipo de crítico, seu posicionamento, não mais tenha valor, pois sua contribuição é muito pobre. A crítica contemporânea relativiza mais, tenta ser mais cautelosa, tanto pela diversidade da produção contemporânea e suas múltiplas possibilidades de leitura, quanto por uma trajetória da própria crítica, de uma reflexão das abordagens feitas anteriormente.
Assim como a arte, a crítica também se modifica ao longo da história, suas mudanças acompanham as mudanças artísticas. Poderíamos dizer também que as mudanças artísticas ocorrem por conta da crítica? Talvez sim. Crítica e arte são interdependentes, ou seja, influenciam-se o tempo todo. E assim como a arte se desenvolve através de uma crítica, uma reflexão, do que se foi produzido anteriormente, a crítica se desenvolve também por uma auto-reflexão em conjunto com a produção contemporânea.
Uma das principais diferenças entre a crítica moderna e a crítica contemporânea é o fato de a moderna realmente querer se estabelecer no circuito, trazer uma autenticidade, ser gerada através de critérios específicos de análise e ter uma presença muito forte como legitimadora. Já a crítica contemporânea não precisa necessáriamente se estabelecer no circuito, mas como sua validade entra em cheque, é preciso uma reinvenção de seus critérios. A crtítica moderna atua, sobretudo, nos jornais, enquanto a crítica contemporânea dispõe de diversos meios de comunicação e inclusive, com a voga da internet, é através de blogs e revistas eletrônicas que sua atuação responde à carência de crítica de arte nos jornais. Isso de certa forma limita o reconhecimento dos críticos de arte, pois nem todos conseguem de fato uma publicação de grande visibilidade, o que possivelmente acontecia com menos frequência no modernismo.
Termino com uma citação de André Richard sobre a necessidade da crítica de arte:“Finalmente, em presença de formas de arte que não mais comportam um sentido universalmente reconhecivel (abstração, arte cinética) nem uma técnica avaliável (arte pop), pode-se perguntar onde se apoiaria legitimamente uma apreciação crítica. Talvez a resposta seja que, apesar das dificuldades, a crítica de arte, por mais inadequada que seja, responde a uma necessidade de compreender o fenômeno artístico e a um desejo de compartilhar o julgamento que se emite sobre as obras. Pode-se demostrar sua impossibilidade, mas deve-se constatar sua existência.” (p.2)

Bibliografia

ARGAN, G. C. Arte e crítica de arte. Lisboa: Editorial Estampa, 1988
DANTO, Arthur C. Após o fim da arte: a arte contemporânea e os limites da história. São Paulo: Odysseus editora, 2006.
_______________. Arte sem Paradigma. In: Arte e Ensaios – revista do programa de pós-graduação em artes visuais EBA. UFRJ, 2000.
DELLEUZE, Gilles. Carta a um crítico severo. In: DELEUZE, Gilles. Conversações. Editora 34.
FERREIRA, Glória e COTRIM, Cecília (org.) Clement Greenberg e o debate crítico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
LEINER, Sheila. Arte e seu tempo. São Paulo: Perspectiva: Secretaria do Estado da Cultura, 1991.
RICHARD, André. A crítica de Arte. São Paulo: Martins Fontes, 1988.
VENTURI, Lionello. História da crítica de arte. Lisba: Edições 70.

2 comentários:

Agnaldo disse...

Belo artigo, Caroll.
Parece que a questão é (e sempre foi) "Qual a função da crítica?".
Da mesma forma que ainda nos perguntam "Qual a função da arte?".
Os campos da crítica, da arte, da filosofia, da ciência, etc., são hoje maiores do que os do passado, e serão maiores no futuro. Quanto mais o campo teórico cresce, mais especializações aparecem (ou vice-versa). É como uma árvore que não pára de se ramificar.
Existe um paradoxo: dizer "é impossível estabelecer um discurso totalizante" é um discurso totalizante em si.
Reconhecer a multiplicidade de linhas de pensamento é a chave da questão.

c. tinôco disse...

Me parece que essas indagações sobre o papel da crítica, ou da arte, ou da história da arte estão sempre em voga porque esses campos de conhecimento estão em constante movimento. Como você disse Agnaldo, o campo teórico cresce e consequentemente as abordagens se modificam.
Acredito que seja possível se estabeceler um discurso totalizante, no entanto, acho que já estou consciente de que este não é o caminho que quero percorer.