quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Dandismo e a Nova Modernidade

Um novo século que se inicia com atentado terrorista, derrubando os símbolos do capitalismo, dará lugar, no campo das artes visuais, a uma nova objetividade concreta, a um surrealismo, a um neoclassicismo, a um romantismo ou a indiferença ?
Lulu Santos em "Tempos Modernos" anunciava uma Belle Époque que não despontou. "Um novo começo de era, de gente fina elegante e sincera", um dandismo, que foi atropelado pela realidade (indiferença global?) contemporânea.
A Belle Époque de fins do século XIX terminou com a Primeira Guerra. A imaginada por Lulu Santos, de fins do século XX, terminou antes mesmo de ter começado. Sinais do tempo em que a velocidade da informação supera a dos meios de transporte. A comunicação mais rápida que o pensamento. Precisamos parar e pensar.
Escrevo este ensaio em 17 de setembro de 2008, sete anos após o fim do início do século XXI. Vivemos num século que ainda não começou: deu seus primeiros suspiros e morreu. Voltamos às promessas do final do século XX. Vivemos, pela primeira vez na história, um período indefinível entre séculos consecutivos (será o século vinte e meio?).
Vemos em Baudelaire que não é possível ser dândi sem tempo e sem dinheiro. Não é possível amar verdadeiramente, se apaixonar, sentir a vida e a modernidade, sem esses dois elementos (ainda que Baudelaire deixe claro que o dândi não visa a fortuna, o dinheiro é necessário para o exercício de seu ócio). Nesse sentido, talvez seja por isso que a vida nos pareça tão corrida, tão crua, sem graça, sem arte. Conseguiremos reencontrar a beleza nas coisas do dia-a-dia, sem tempo e sem dinheiro? (Talvez por isso a produção artística desde os anos 60 no Brasil e no mundo esteja tão desinteressada pela estética do belo).
Trabalhamos o tempo todo para ganhar dinheiro e com isso, não temos tempo para pensar e contemplar. Um ciclo vicioso no qual quem tem tempo não tem dinheiro e vice-versa. Baudelaire tinha a certeza de que o trabalho impossibilita o homem de ser dândi, já que retira dele o tempo necessário para a contemplação e o pensar. O dândi é um apaixonado, um sonhador romântico, que tem a noção de que a beleza da vida não está perdida, mas apenas escondida no meio da pressa e da confusão diárias.
Baudelaire afirma que o momento propício para o surgimento do dandismo é o período de crise, período entre épocas em que se busca uma definição. O que vivemos agora, senão um grande período de instabilidade - incerteza do pós-guerra, da Guerra Fria, da derrocada do comunismo, da globalização, do terrorismo. O que virá depois, ou melhor, agora? Que momento é esse? Passamos todas essas décadas a procura de uma identidade artística: concretismo, neoconcretismo, nova objetividade. Lulu Santos não foi o último romântico. Temos muitos românticos hoje em dia, somos todos dândis latentes. O dândi surge nesse momento, numa relação quase mitológica com a natureza, numa quase aspiração ao divino. O dândi tem a certeza de sua efemeridade mas não tem medo, pois sabe que existe um pano de fundo - como diz Nietzsche - que é a natureza eterna que permeia e acompanhe a evolução do homem e da cidade. São os faunos, as ninfas, os sátiros, os seres mitológicos das florestas. Nesse sentido, o dândi conhece a beleza, Apolo, e o sublime, Dioniso. Carrega o belo em si e em seus ideais, e traz consigo a certeza, o conhecimento último da realidade, que o leva a um estado dionisíaco de contemplação e ao mesmo tempo de anestesia perante uma realidade criada pelo homem, em oposição a uma realidade do belo e da natureza.
Jung analisou a sociedade alemã, que se deixou levar pela loucura das duas grandes guerras, fundamentando sua teoria na mitologia nórdica: as motivações sociais estariam no despertar irado de Wotan. Acredito que Dioniso agora dorme. E deixa espaço para Apolo dar seus ares furtivamente por entre as brechas de nossa nova modernidade.

Referências Bibliográficas:

BAUDELAIRE, Charles. "O pintor da vida moderna". In: "Obras Estéticas: filosofia da imaginação criadora". Petrópolis: Vozes, 1993.
NIETZSCHE, Friedrich. "O Nascimento da Tragédia no Espírito da Música".
JUNG, C.G.. "Wotan". In: "Aspectos do Drama Contemporâneo". Petrópolis: Vozes, 2007.

Um comentário:

Felipe Abdala disse...

Para o poeta T. S. Eliot, "é assim que o mundo acaba - não com uma explosão, mas com uma lamúria". O breve século XX acabou com os dois. Depois disso veio o século XXI que, como bem disse Agnaldo, j´nasceu jurado de morte.